Poucas vezes saio do meu mundo, mas das vezes que consegui e tive vontade (estas duas condições nem sempre apareceram juntas) faço um artigo sobre língua X e português.
Este verão vou de férias à Rússia e decidi investigar um bocado. Quis ver quais eram as palavras russas que eu conhecia, ou por melhor dizer, dar um explicação dessas palavras russas que estão na nossa língua.
–balalaika: o instrumento é um símbolo nacional russo. A forma e o som pode fazer-nos lembrar um banjo, mas a balalaika tem uma caixa triangular.
Deixo aqui uma ligação de uma das minhas bandas portuguesas de preferência, Anaquim. Balalaikas é o nome da música!
–bistrô: Ok, vão dizer, não é russo, é francês!. Eu sou uma bon vivant e sei muita coisa de restaurantes e de comer bem.
Bistrô é um restaurante pequenino, de poucas mesas, singelinho e confortável. A palavra tem uma origem um bocado obscura. Vou-vos dar a versão que diz que vem do russo, a propósito deste artigo.
Há quem diga que os militares russos, ao invadirem Paris, exclamavam “bistrô! bistrô!” ao atacarem os cafés da capital francesa; isto é pela presença do termo ‘bystro’, que tem o sentido de ‘rápido, rápido’, no russo.
-blini: ora bem, não sei se esta palavra é dessas típicas que toda a gente conhece, eu tentei fazer uma vez este prato…e tive pouco sucesso ou nenhum, por isso o termo ficou gravado no meu cérebro. Alegadamente o processo de preparação não tem muita dificuldade, mas eu sou um pé de chumbo na cozinha. A língua russa possui uma expressão “fazer como blini”, que na Galiza poderíamos traduzir como “fazer cestos”: fazer algo rápido e em grandes quantidades.
Blinis são como crepes, ou talvez sejam mais parecidos com as “filhoas” galegas. O prato é muito antigo, era já cozinhado em território russo mesmo antes da chegada do cristianismo.Nesse período pagão cheio de simbolismo, os blinis com a sua forma redondinha representavam o sol e estavam na mesa em muitos rituais. Recorda-vos isto a alguma coisa cristã? Estes crepes são imprescindíveis na festa de Maslennitsa, que marca o fim do inverno e a memória dos recém-falecidos membros das famílias russas, uma coisa assim como os nossos Defuntos.
–bolchevique: estudei COU e passei logo a conhecer a palavra, planos de estudos antigos criavam intelectuais, amigas. Saudades!
Aquelas pessoas que pertenciam ao Partido Comunista, partido único na União Soviética, eram chamadas de bolcheviques. Num dos assuntos que o partido discutia, o grupo liderado pelo Lenine atingiu a maioria de votos e a palavra foi assim usada para se referir a todos os aliados do futuro líder soviético. Aos poucos, “bolchevique” foi usado como sinónimo de “maioria” e “menchevique” como sinónimo de minoria.
Nos primeiros tempos do bolchevismo, em Portugal não era usado o termo Bolchevique e estas pessoas recebiam no nome de maximalistas.
-gulag: é a abreviação para “Diretoria Geral de Campos de Prisoneiros”, criada na década de 1930. Criminosos e presos políticos cumpriam uma mesma “condenação”: realizarem trabalhos duríssimos. De facto, o termo passou a usar-se como sinónimo de repressão política ou pena de morte.
-kalachnikov: criada por Mikhail Kaláchnikov quando tinha 20 anos de idade, é uma das armas mais famosas do mundo. A sua designação oficial é AK-47.
Esta é uma das palavras que oxalá não se tivessem inventado nunca.
-matriochka: quem não conhece estas bonecas? quantas vezes nos serviram para fazer um símile! Realmente, esta é a primeira imagem que me vem à cabeça quando penso na Rússia.
O mecanismo destas bonequinhas é muito conhecido e acho que todos e todas em crianças tivemos um brinquedo parecido. Eu tinha uns cubos que dentro tinham outros cubos…também tive um hipopótamo assim. Tempo depois, alguém me comprou uma Matriona. Na verdade, a boneca chama-se assim, Matriochka é só o seu diminutivo.
O número de figuras que se conseguem encaixar é, geralmente, de 6 ou 7, ainda que existam algumas com um número impressionante de peças.
A sua forma é simples, os membros são pintados. De facto, a sofisticação das matriochkas reside no virtuosismo de quem pinta.
O design pode ir do mais folkie dos vestidos das mulheres russas até este exemplo dos grandes líderes. Engraçado, pois não?
A origem da boneca está noutro país que adoro: o Japão. No século XIX chegaram à Rússia uns brinquedos desmontáveis japoneses que foram a “semente” para a criação destas bonecas.
-pogrom: vamos com um pouco de Filologia. A palavra provém do verbo gromít que significa “destruir, liquidar”, e disto derivou o significado atual: uma ação de extermínio contra um grupo concreto de pessoas: assaltos, destruição de casas, empresas, edifícios de culto religioso. Os pogrom mais populares foram contra os judeus, mas hoje, infelizmente, acho que todos e todas temos na cabeça infinitos exemplos atuais.
–sputnik: Cada vez que ouço esta palavra, penso num dos meus filmes favoritos, Adeus, Lenine! e da corrida aeroespacial. O termo significava literalmente “companheiro de viagem”, mas depois de a URSS ter lançado o primeiro satélite, foi adquirindo outro valor semântico tal e como o conhecemos hoje.

Jornal russo fala do lançamento do Sputnik
-tróika/tróica: é uma carruagem ou grande trenó russo, puxado por três cavalos. Apareceu na Rússia em meados do século XVIII, para ajudar no serviço postal e atravessar longas distâncias.
Hoje o uso desta palavra é um bocado uma alegoria. Usamos tróica para nos referir a um conjunto de três pessoas ou entidades com uma finalidade política. A palavra era usada para designar alianças dos líderes na União Soviética: os três supremos chefes dos estados comunistas, o chefe de estado, o chefe de governo e o líder do partido.
Na Europa atual esta união é formada pelo Banco Central Europeu, o Fundo Monetário Internacional e a Comissão Europeia. É uma forma moderna de triunvirato.
Que se lixe a tróika! Queremos as nossas vidas! é um movimento social português que nasceu em 2012 contra as medidas económicas do governo português. Convocaram uma manifestação que levou um milhão de pessoas às ruas, em várias cidades portuguesas, e em Lisboa foram mais 500 mil pessoas num protesto nacional contra as medidas de austeridade. Este movimento foi a inspiração para o dos Indignados em Espanha.
E o povo, pá? de Homens da Luta, o Grândola do Zeca, ou Que Parva que eu sou dos Deolinda foram o hino de muitas pessoas durante as manifestações.
–tsar, csar ou tzar: outra dessas palavras do COU. Ai, COU, quanto me deste!. Nesse ano estudei coisas deste império que agora começo a lembrar graças à minha viagem.
Tsar é uma versão reduzida da palavra latina caeser, introduzida ao vocabulário popular em 1547 por Ivan, o Terrível. É o título oficial do monarca russo.
Rússia é um país de dinastias. No período entre 1613 e 1917, quem governava eram os Roamnov. O primeiro tsar desta família foi Mikhail Fiódorovitch e o último Nikolai II, que abdicou do trono em 1917 a favor do seu irmão mais novo Mikhail, que, mesmo seguindo o exemplo do Nikolai e recusando-se a ser o próximo monarca, é formalmente considerado o último tsar russo.
Os Romanov têm aquela coisa charmosa e misteriosa.
O íman das lendas urbanas é forte e acho que todos e todas alguma vez colocamos alguma hipótese sobre o que deveu de ter acontecido com a princesa Anastásia.
–vodca/vodka:a vodca é uma popular bebida destilada russa que surgiu no século XV. É a bebida nacional, sem dúvida nenhuma.
O nome vodca é o diminutivo de água (“aguinha“) em várias línguas eslavas, mas não há muito consenso quanto à origem etimológica disto, pode ser um acaso, um caso de homonímia.
A vodca é um destilado obtido a partir de arroz, cevada, milho, trigo, centeio, ervas, figos ou batatas, fermentados. Cada”ingrediente base” dá à bebida um sabor e qualidade diferentes. A fórmula também varia em cada região, como acontece com o nosso licor café. Popularmente, a vodca tem 40% de teor alcoólico, mas a sua graduação pode variar entre os 35 e os 60%.
Agora é a minha vez de aprender palavras novas. Adeus, Galiza! до свидания , Галисия, do svidaniya , Galisiya