Com S

Quem está em contacto com várias línguas tem muitas vantagens. Ter muita acuidade visual e memória fotográfica ajuda muito na questão ortográfica, mas este é um post para aquelas pessoas que sentem que escorregam um bocado nas mesmas questões no momento de escreverem. Por outras palavras, estes são exemplos pouco intuitivos de palavras com a letra S.

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Veem ou vêm?

Estamos a escrever e temos estas dúvidas com os acentos? fazemos confusão entre uma forma verbal e a outra? Este artigo pode fazer a diferença.

Na passagem do latim ao romance, muitas consoantes mediais que estavam entre vogais desapareceram ou viraram mais fracas, dando lugar a muitos hiatos. Alguns deles fizeram uma crase e outros não. Muito, muito, muito tempo depois chegou o Acordo Ortográfico e alterou algum assunto com a acentuação…mas estamos a meter o carro antes dos bois. Comecemos pelo princípio: o latim.

Numa coisa assim de filóloga de trazer por casa, podem dar uma vista de olhos a este esquema.

VIDERE> Vedere> veer (medieval)> ver

VENIRE> vẽir> vĩir> viir (medieval)> vir

No segundo dos exemplos, o de Vir, podem ver que o que desapareceu foi a nasal intervocálica -N-, mas ao longo da conjugação de Presente ainda podemos ver como existe uma “recordação” dessa nasalidade.

VERBO VER: vejo, vês, vê, vemos, (vedes), veem.

VERBO VIR: venho, vens, vem, vimos, (vindes), vêm.

Isto da nasalidade pode ajudar para uma regra mnemónica: o verbo Vir é o de mais ditongos nasais: ele/ela vem; eles/elas vêm. Recordem que as palavras acabadas em -em também estão a representar um ditongo.

Este verbo fez uma crase na escrita e tem um acento circunflexo no plural para representar que ouve essas duas vogais iguais no passado. Isto acontece igual no verbo Ter, que também teve um -N- na origem: ele/ela tem; eles/elas têm.

No entanto, o verbo Ver tem nas terceiras pessoas este paradigma: ele/ela vê; eles/elas veem. Há um circunflexo também, mas só no singular, porque a vogal é fechada. No plural temos essa duplicidade de vogais, igual que em leem, creem, preveem…

Ainda sentem que isto é uma grande confusão? É, porque realmente a ortografia é uma cena muito arbitrária. É assim escrito, mas bem podia ser de outra maneira. De facto, o Acordo Ortográfico veio a mudar algumas coisas.

Mas não há impossíveis, armei-me em desenhista e fiz esta regra visual que penso pode ajudar.

o verbo Ver olha para ti olhos nos olhos
E o verbo Vir com as suas perninhas de circunflexo tem uns sapatos novos

Está na hora de uma canção de despedida. Deixo-vos com o Jorge Ben Jor, Obá, lá vem ela, uma das minhas preferidas.

-am ou -ão?

Então…quando é que escrevemos Comeram e quando Comerão?

Estas duas terminações podem ser um entrave para quem inicialmente aprende a escrever a nossa língua.  Foneticamente são pronunciadas da mesma maneira e para escrever só podemos ter a ajuda da tonicidade para ter uma ideia mais clara.

Vejam o Genially a seguir, classifiquei alguns casos que podem ser de ajuda. No símbolo (+) há um vídeo explicativo também.

E na minha vontade de querer fazer regras de tudo…há coisas que me escapam e que me tiram do sério: as exceções. Senhores e senhoras académicas: isto…não bate certo. Quando fizeram o AO deviam era ter consertado isto. Se o til de nasalidade é marca também de acento…o que é que se passa com estas palavras? Para mim isto é um início de TOC. É como ver a caixa de plastidecor desordenada ou ver uma sarjeta colocada ao avesso. Estou a falar de substantivos que não seguem essa regra de para tónico -ão e para átono -am. Por exemplo, substantivos próprios como Cristóvão, Estévão, Pedrógão Grande e também comuns órgão, órfão, bênção, acórdão, orégão.  Irritam-vos tanto como a mim?

 

 

Os meus (e também teus?) pesadelos ortográficos

Chega aquela festa que odeio, mas para não ser ostracizada socialmente, decidi fazer uma coisa temática.

Um dos assuntos que mais me arrepiam no mundo é a palavra *voçê assim escrita e o verbo *Posser: “eu posso, tu posses, ela posse…” Tiram-me do sério. Isso e o Samaim.

Reuni valor, alhos e balas de prata e criei uma lista de 7 ou 8 erros supercomuns. Atrevem-se a ler cada página da infografia?

Oficina de criação literária na Ciranda

índiceA livraria Ciranda faz uma nova proposta didática esta semana. Para quem estiver interessado em melhorar a sua expressão escrita, haverá um ateliê de criação literária amanhã sábado, de 11h a 13h, com inscrição prévia.

O escritor Michel Yakini, autor de “Desencontros” (contos, 2007), “Acorde um verso” (poesia, 2012), “Crônicas de um Peladeiro” (Crônicas, 2014) e de diversas antologias, é colunista do Jornal Brasil de Fato e será o docente neste pequeno percurso pela arte de escrever. escrevendo-para-si-mesmo-i

Michel Yakini participou de atividades literárias na Argentina, México, Cuba e França, realizando palestras, recitais e apresentando sua obra em universidades, feiras, centros culturais e eventos artísticos.A partir de um breve histórico sobre a presença das matrizes africanas na cultura brasileira, trançaremos palavras e elementos naturais (água, folhas, pedras, sons, etc.), visitando a imaginação, a criatividade e a memória. A leitura de mitologias africanas (em português), poemas afro-brasileiros e expressões idiomáticas serão um convite à criação poética e a reflexão sobre o tema, em que abordaremos a presença da cosmovisão africana e sua influência cultural e linguística no Brasil.

Pelos vistos o escritor passará antes pelo mercado para comprar manjericão, hortelã, alecrim e mais coisas que habilmente misturará com palavras. Isto vai dar barraca, migas!

Quem tiver interesse em participar terá de se inscrever no mail: ciranda@ciranda.pt

 

 

 

Seguir ou Continuar?

Tiveram alguma vez esta dúvida?

Parecem sinónimos, mas não. Um é um verbo de movimento e o outro indica uma ação continuada. É curioso porque conheço muitas pessoas que não dão este erro quando falam inglês. Sei lá…vamos com as explicações rápidas.
seguir: tem o sentido de perseguir, acompanhar ou copiar. Disse antes que era um verbo de movimento, mas também tem outros significados que não implicam deslocamento. Por exemplo:

  • Seguiu-me até a minha casa; O resto dos pinguins seguiram o primeiro; (aqui há movimento)
  • Justin Timberlake seguiu a trajetória de Michael Jackson; Sigo a série The Wire há vários anos. (nestas outras tem o sentido de Acompanhar ou Copiar)

seguir
continuar: significa não parar, não interromper: Passou por muita coisa, mas ela continuava com um sorriso; Continuou com os estudos no estrangeiro; O coelhinho Duracell continuava a correr e as pilhas nunca estavam gastas.

continuar

Colher, Apanhar, Pegar

Por castelhanismo, fazemos um uso hiperabundante do verbo Colher. No espanhol de Espanha o verbo Coger tem um sentido muito amplo, mas no português há usos mais específicos e verbos diferentes para o que no espanhol é um significante apenas.

Quando aprendemos português, muitas vezes fazemos uma tradução literal Coger=Colher e as coisas não são bem assim. Isto costuma criar dificuldades entre os meus alunos e alunas, então decidi dar umas pequenas indicações básicas. Para completarem informações, podem ler também este artigo no Ciberdúvidas.

  • COLHER: é “agarrar arrancando”. Derivado do verbo Colher está o substantivo Colheita, portanto, já podem imaginar que género de coisas é que se colhem: maçãs, peras, pimentos…995791_628321240525948_1687648998_n

Por outras palavras, Colher é para flores, ervas, frutos ou frutas tiradas das suas árvores (ou plantas) uma a uma. Ontem fui ao pomar colher maçãs.

De uma maneira metafórica também podemos ser colhidos por um carro, por um touro, pela morte…Isto é uma letra da Capicua: “Quero uma horta do outro lado da porta e quero a sorte de estar pronta quando a morte me colher”

Contudo, cada vez mais, o verbo Apanhar está a ganhar o espaço do verbo Colher.

  • APANHAR: tem vários usos, mas costuma implicar um movimento.1455044_692131974144874_983920073_n
    • Para agarrar coisas que estão no chão: apanha aí esse lápis que caiu.
    • Também como sinónimo de Capturar ou Atingir: apanhei-te numa mentira, aldrabão!
    • Para meios de transporte: apanhar um táxi.
  • PEGAR: é um verbo que faz impressão nas primeiras aulas, porque é um falso amigo também. Mas não, não podemos confundi-lo com Bater. Nunca pensei em agradecer nada à música Ai, se eu te pego, mas o pessoal ficou a saber um dos significados do verbo graças a ela.

Normalmente, as coisas que pegamos estão ao alcanço da nossa mão. A ação de Pegar não implica movimento. Pega nesse livro.

No português do Brasil este verbo é usado muito e para os meios de transporte também: pegar um táxi.

Escolher ou eleger?

Vamos agora com uma das minhas batalhas particulares: as escolhas.

Pessoas indecisas…como lidar com elas? quando se convive com uma pessoa indecisa, provavelmente colherá os frutos desta vida imprecisa, ou seja, vai ter que conviver com alguém que vive constantemente mudando de ideia e faltando com a sua palavra. Como de chato é isso de agora sim, agora não, talvez, sei lá…

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Coloquei esta questão logo no início para falarmos de dois verbos que nem sempre são fáceis de usar, sobretudo porque muitas vezes pensamos que são sinónimos totais e não. Uma vez que soubermos cada caso, o uso é bem simples.

  • Uma “escolha” é uma seleção de alguma coisa entre um conjunto de coisas. Isto vem do verbo “escolher“. Por exemplo: para escrever, eu escolho sempre a caneta azul; Havia montes de sapatos, mas eu escolhi os oxford.

Gostam de escolher e tomar decisões? atrevam-se com o quizz de Venha o Diabo e Escolha. As perguntas são fáceis, mas as respostas são sempre uma escolha bem difícil.

  • Derivado do verbo “eleger” é o substantivo “eleição”. Quando elegemos fazemos isso por meio de uma votação: hoje elegeram o representante da junta da freguesia.

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Então, como é que é? Sim ou Não?

Escrever: sob, sobre, baixo

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Nestes dias tenho andado sob pressão. Trabalhos novos e outras obrigações que fazem com que cada dia me obrigue a mim própria a ter um desempenho maior e melhor. E dando voltas à expressão “estar sob pressão” (e também ouvindo Under pressure dos Queen), decidi clarificar o uso da palavra “sob”.

Eu diria que no português esta é uma das palavras mais esquisitas na forma. Nunca vi outras palavras que acabassem em -b. Sim, a palavra é uma ovelha negra, coitada, e os alunos e alunas assim a tratam. Vamos ver como ela é especial.

Entre palavras parecidas ou entre usos parecidos de uma língua a outra pode haver decalques e confusões, isto acontece algumas vezes com esta tríada de palavras: sob, sobre e baixo.

  • sob: significa “debaixo de”. Num sentido extenso, significa: em posição inferior, subordinado/a, no interior de, no governo de…Indica então uma hierarquia. Podemos usar Sob também em expressões como: sob juramento, sob compromisso, sob pressão…

O cão está sob a mesa/ Apenas contei a verdade porque estava sob pressão/ Elas passaram sob os arcos da ponte romana/ O programa da tv estava sob o comando do apresentador arguido

  • sobre: significa “por cima de”, é o contrário do anterior. Num sentido amplo, pode significar: em cima, na parte superior, numa posição superior, ao encontro de…entre muitos significados.

Coloquei o prato de sopa sobre a mesa/ Não tenho nada a dizer sobre esse assunto

A palavra “sobre” não é um substantivo, é sempre uma preposição. Não está correto dizer meti todos os documentos num sobre, porque para isso temos a palavra envelope.

  • baixo: o único uso como advérbio que o português recolhe, é no sentido de “falar baixo”, “cair baixo”…No resto dos casos é um adjetivo oposto a “alto”. Não está correto dizer, por exemplo, o soldado estava baixo as ordens do rei, porque este é o espaço de uso de Sob.

A mesa que comprámos é muito baixa, baixa demais para as cadeiras que nós temos

Reparem na letra da música A mesma praça de Paulo Miklos, ele usa (quase de propósito) Sob e Sobre na canção:

Escrever: palavras terminadas em -n

pólenO pólen é o conjunto dos minúsculos grãos produzidos pelas flores das angiospermas, que são os elementos reprodutores masculinos, onde se encontram os gâmetas que vão fecundar os óvulos, que posteriormente irão se transformar em sementes.

O pólen pode ser kryptonita para uma pessoa alérgica e os -n finais são também kryptonita para um aprendente. Uma das primeiras batalhas ortográficas está no plano do inconsciente. Estamos habituados a escrever palavras acabadas em -n e sem dar por isso, reproduzimos este esquema nos textos escritos em português.
Pólen é uma palavra portuguesa que acaba em -n. É uma das poucas.

13228592-cuero-alfabeto-cuero-de-textura-letra-nUma das normas básicas que temos de saber quando escrevemos em português é que o -N é muito pouco usado. Se alguma vez tiverem dúvidas, escolham o til de nasalidade (ã, õ) ou -m. O índice de acerto vai ser muito maior.

As palavras que acabam em -n em português entraram tardiamente na língua e por via erudita, daí não terem sofrido praticamente alterações. Podemos dizer assim que esse -n é etimológico.

  • Como pronunciamos este -n? Cunha e Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, indicam que «em final absoluta de palavras cultas a articulação ápico-alveolar da consoante n». Isto é, a consoante nasal pronuncia-se da mesma forma como em neve ou nada.
  • A acentuação. Há uma regra a ter em consideração no que respeita à acentuação: as palavras terminadas em –n são graves, e a sua acentuação deve ser marcada graficamente.
  • Alguns exemplos de palavras em -n: abdómen, cólon, éden, espécimen, glúten, hífen, hímen, pólen, sémen, ânion, cânon, cátion, elétron, néutron, plâncton, próton, líquen…